1º Capítulo

CaPíTuLo I

SoZiNhO No EsCuRo



Uma gota cai no chão. Duas gotas caem no chão. Muitas gotas caem no chão. O barulho de chuva é ouvido até que a escuridão toma conta de tudo. Não havia mais chuva, mais escuridão, mais consciência. O homem estava desmaiado.

Sem mais nem menos Harry abre os olhos e levanta-se do chão frio e sujo, no qual está deitado. Rapidamente observa o ambiente. Assustado e lotado de perguntas ele se faz apenas uma, talvez a mais óbvia de todas.

-Onde estou?

-Se eu soubesse, já teria feito alguma coisa - diz um homem que estava perto dele.

- Quem é você?

- Meu nome é Frank - reponde o homem.

- Frank, por que estamos aqui? – perguntou Harry com a primeira linha de diálogo que lhe viera à mente.

- Eu não faço ideia, meu amigo. A única coisa que sei é que este é o cômodo mais cinza e sinistro que já vi. E olha que eu já vi muita coisa estranha.

- Ótimo. Você não sabe de nada.

- Olha, eu sei tanto quanto você. Eu também estou preso neste lugar.

- Tudo bem, eu entendo. Você tem razão.

Ele levanta e olha ao redor. O senso de impotência e de irritação sobe a cabeça de Harry que percebe algo que não queria perceber.

- Não tem janelas aqui.

- Só há uma porta – responde o Frank apontando para ela.

Harry aliviado de certa forma diz - Pelo menos sabemos que há como sair.

- Sair? Acho que é passagem só de ída, meu amigo.

- O que você quer dizer com isso?

- Exatamente isso. Acho que quem quer que seja que tenha nos posto aqui, não quer que saiamos – Frank caminha em direção à porta e a toca - Olhe, a porta é reforçada.

- Droga! – gritou Harry.

- Eu vou dormir, pois já deve ser tarde.

- Eu não posso ficar aqui. Tenho muito que fazer. Isso é um absurdo!

- Relaxa, meu amigo. Poupe suas energias.

- Como você pode estar tão calmo, Frank?

- O que você está insinuando?

- Exatamente isso. Como você pode estar tão calmo numa hora como esta?

- Você acha que eu ajudei a te colocar aqui?

- Eu estava desacordado quando você já estava de pé. Afinal, foi você que falou comigo primeiro.

- Você está louco.

- Eu não estou louco! – gritou Harry com ódio nos olhos.

Frank se assusta e responde com leve sarcasmo - Calma, tigre. Bem, apenas um louco acharia que eu o trancaria aqui.

- Eu não sei quem me prendeu neste lugar. Pode muito bem ter sido você.

- Olha, cara. Se eu tivésse te prendido aqui, neste lugar nojento, eu me prenderia também? Não faz sentido.

Harry fica pensativo, abaixa a cabeça e diz:

- É, você tem razão. Desculpe, mas estou muito confuso. Eu me sinto tão... Tão... Tão impotente.

- Impotente? O problema é que você se preocupa demais – disse Frank como se conhecesse Harry há milhares de anos.

- E como você sabe?

- Você está agindo como uma pessoa preocupada.

- Uma pessoa normal não ficaria preocupada em uma situação como esta?

- Que tal descansar um pouco? Durma. Amanhã a gente conversa.

- Amanhã eu posso nem estar vivo.

- Deixe de drama. Já deve ser tarde.

- Como você sabe que é tarde?

Então, Frank com um ar misterioso, quase místico diz:

- Eu não sei. Eu sinto. Estar aqui faz com que você perca a noção do tempo.

- Hã? Perder a noção? Você está aqui há quanto tempo? – perguntou Harry assustado, acreditando que se seu companheiro estivesse naquele quarto escuro por muito tempo, isso significaria que ele também poderia estar.

- O mesmo que você.

- E por que você disso aquilo?

- Você sabe que horas são? – indagou Frank.

Harry olha para o relógio de pulso, mas Frank o interrompe dizendo:

- Não adianta olhar. Ele não funciona aqui.

- E como você sabe?

- O meu também não funciona.

- Estranho. Nem mesmo um simples relógio de pulso funciona nesse lugar.

- Harry, esquece isso. Durma, que amanhã a gente conversa melhor sobre isso.

- Conversar? Eu quero ir embora – disse ele enfurecido.

- Então, tente passar a madrugada indo embora. Se conseguir me avise, se não, não me acorde.

Frank então dorme como se nada estivesse acontecendo, como se estivesse em sua própria casa.

Harry vê que não há mais como falar com ele e, então, decide dormir também. Ele fecha os olhos e pensa consigo mesmo:

- Esse tal de Frank é muito estranho – ao pensar, Harry chega a uma conclusão de certa forma aterradora - Aliás, como ele sabia o meu nome? Eu não havia dito.

*****

Harry acorda e vê Frank olhando a porta, como se estivésse examinando-a.

- Frank, o que houve?

- É feita de aço resistente. Não vai dar mesmo para sair – disse ele após um suspiro.

- Não diga isso. Eu não posso ficar aqui.

- Olhe você mesmo. A porta só abre do outro lado.

- O quê? Como você sabe?

- Ela não tem fechadura.

- Quer dizer que só saíremos daqui, se quem nos prendeu quiser?

- Receio que sim.

Harry vira-se e anda uns passos:

-Ótimo! Estamos mortos.

Frank olha Harry desesperado e diz como um amigo - Você está desistindo?

Harry fica em silêncio.

- Já era de se esperar.

Harry vira-se de novo e olha para Frank:

- O quê? Você acha que me conhece muito bem, não é? – irritou-se Harry –Fica aí, calmo. Como se nada estivésse acontecendo. Você acha que é quem para fazer isso, heim?

- Agora você está ficando nervoso, meu amigo.

- Nervoso? Eu? Claro que não.

- Você está se exaltando.

- Eu não estou. Aliás, você quer ver o que é se exaltar?

Frank não diz nada.

- Se exaltar é isso!

Ele anda em direção à porta e começa a esmurrá-la. De tanto bater, a porta abre. Harry não acredita no que acabou de acontecer e diz com surpresa:

- A porta abriu?

- Chegamos às seguintes conclusões: ou você é o super-homem ou a porta estava apenas encostada.

- A porta estava encostada... Com certeza.

- E agora, o que você vai fazer?

Harry não pensa duas vezes e diz:

- O que estamos esperando? Vamos sair daqui logo.

Harry fica parado e só agora consegue ver o seu reflexo na porta, que demonstrava que algo nele não estava certo.

- O que é isto? – perguntou ele ao tocar algo em seu pescoço.

- Isso o quê?

- Esse negócio no meu pescoço.

- É um colar, oras.

- Foi você que o colocou em mim?

- Não.

- Como não? Eu não uso colares.

- Eu também tenho um. Olha.

- É, mas para o que eles servem?

- Não acho que seja só para enfeitar.

- Vamos entrar e esquecer um pouco isso.

- Certo – concordou Frank.

Os dois abrem mais a porta, contudo não conseguiam ver nada, pois estava muito escuro.

- Está muito escuro. Eu não consigo ver nada. Você consegue, Frank?

- Eu vou procurar um interruptor, então. Deve haver um em algum lugar.

Frank se afasta de Harry e vai procurar um interruptor.

- Quer dizer que se eu não abro a porta, nós morreríamos de fome? – pergunta Harry.

Frank de longe responde sarcasticamente:

- Quer uma medalha? Ah! Você está comendo alguma coisa... Herói?

- Muito engraçado. Nem mesmo perdido no escuro em um lugar desconhecido você para de fazer piadinha.

- Eu não fiz piadinha, apenas constatei a verdade.

- Sabe de uma coisa, eu vou procurar o negócio também.

Dois minutos se passam...

- Teve sorte, Frank? – perguntou Harry do meio da escuridão.

- Eu ainda estou procurando.

- Como você está procurando, se eu estou encostando na sua mão?

Frank acha o interruptor e liga a luz. Harry olha para a mão que ele estava falando. A mão não pertencia a Frank e sim a um corpo sem vida.

- Oh! Meu Deus! – Gritou Harry ao perceber a mão que encostava.

Eles não se assustam pelo morto em si, mas pelo fato de o morto não ter cabeça.

- Quem poderia ter feito isso com ele? – perguntou Frank mesmo sabendo que seu colega não tinha a resposta.

- Não sei. Só se foi o mesmo miserável que nos colocou aqui.

- É, você tem razão.

Harry se assusta mais ainda quando ele presta mais atenção à cena.

- O que foi, Harry?

Harry aponta para a mesa toda ensanguentada, onde o morto estava debruçado.

- Olha, ali.

Frank também se assusta:

- Minha nossa! Será que foi...

-... O colar? Não pode ser!

O homem sem cabeça estava debruçado sobre à mesa, com sangue por toda parte e ainda usando o colar, porém aberto.

- Será que ele tentou arrancá-lo? – perguntou Frank trêmulo.

- Será que foi isso que o matou?

- Não sei. Acho que sim. Só pode ser, não acha?

- É difícil de acreditar que esse negócio amarelo o tenha matado.

- Você quer tirá-lo para ver o que acontece?

- De jeito algum.

Harry se aproxima meio enojado, do corpo:

- Será que ele morreu há muito tempo?

- Acho que não. Ele ainda não está fedendo.

Harry desvia a atenção do morto e olha ao seu redor. A sala onde estavam não era muito diferente da anterior. A única exceção era a mesa com o corpo.

- É... Aquele sentimento de liberdade se foi rápido demais. Estamos presos de novo.

- De novo não. Ainda. Meu amigo, não nos libertamos em momento algum.

- Nós temos que pensar em uma maneira de írmos embora daqui.

- Eu vou ver se essa porta é igual a outra.

Harry olha algo brilhante na mesa, que havia passado despercebido. Uma faca. Ele a pega e a guarda rápido em um de seus bolsos. Frank vira-se e diz:

-É, essa porta é diferente.

- Isso é bom?

- Ela tem fechadura.

- Isso significa que podemos sair... Não é?

- Você tem uma chave?

- Esquece o que eu disse.

Os dois passam horas e mais horas procurando uma forma de sair, porém sem sucesso.

Harry senta-se no chão, já exausto, e diz:

- Frank.

- O que foi?

- Eu fico aqui falando e não cheguei nem a te perguntar. Você tem família?

- Não.

- Tá vendo, nós não somos tão diferentes assim.

- Por quê?

- Pode parecer estranho, mas eu também não tenho para quem voltar.

- Por acaso você está aceitando o fato de poder morrer?

- Não é isso...

- O que hove com a sua família?

- Eu não gosto de falar muito sobre ela não, mas... O meu pai era seu xará. Ele também se chamava Frank. Ele era um grande engenheiro. E por eu o respeitar tanto, acabei me espelhando em seus passos e me tornei um engenheiro também. Sabe... Quando eu era criança ser engenheiro era o meu sonho. Eu amava prédios. Eram grandes construções, gigantes de pedra, imponentes... Tão altos que chegavam a arranhar o céu. Um dia, eu e meu pai fomos chamados para construir um imenso prédio em frente à praia. Foi o meu primeiro trabalho. Eu estava muito feliz. Era um sonho se tornando realidade. Um mês após o chamado, as obras começaram. Tudo era maravilhoso; o trabalho; a vista; tudo. Até que um dia, meu pai adoeceu e eu tive que fazer tudo sozinho. Com muito suor consegui dar conta do trabalho. A obra levou dois anos para ser concluída. Quando acabou e eu olhei o trabalho pronto, me emocionei de verdade. Ganhamos, então, um dos apartamentos. Eu nem acreditei que fui morar em um prédio que eu mesmo construi. Nós todos da família estávamos muito contentes com a casa nova em frente à praia. Um dia resolvi sair à noite para caminhar. Quando voltei, pegando chuva, eu vi o prédio que eu construi... Caído. Naquele momento, o orgulho que sentia tinha se transformado em frustração e desepero. Provavelmente os meus pais morreram no desastre. Eu os matei. Fui eu que construi o prédio. Fiquei arrasado, todos os meus sonhos se tornaram destroços e ferro retorcido. Quando eu era criança, achava que os prédio, os gigantes de pedra, eram indestrutíveis. Eu os achava tão imponentes. Quando cresci, descobri que os prédios também caiam e que eu era impotente quanto a isso. Hoje, eu não ou casado, não tenho filhos, enfim, não tenho quem me pergunte como foi seu dia.

- Eu não sabia... – balbuciou Frank percebendo que seu companheiro de encarceramento era uma pessoa com um grave problema.

- Não faz mal.

Eles passam alguns segundos em silêncio. Enquanto isso, Harry olha por baixo da mesa e se dá conta de algo:

- Frank, me responda uma coisa.

- O que é?

- O cara foi decapitado, certo?

- Certo.

- Mas, então, cadê a cabeça dele?

- Hã?! É mesmo! – chocou-se Frank.

- Será que o colocaram aqui de propósito?

- Mas por que fariam isso?

- Para nos assustar e nos fazer acreditar que ao arrancarmos os nossos colares, nossas cabeças explodiriam também.

- Ou ele abriu o colar e, simplesmente, levaram a cabeça dele?

- Por via das dúvidas, não vou abri-lo, então. É melhor termos certeza.

- É o mais prudente a ser feito.

- Agora, vamos olhar melhor essa porta.

- Eu já estou cansado. Vamos dormir – pediu o sempre cansado Frank.

- Dormir? Nós precisamos correr.

- Eu estou com fome. Vai fazer quase dois dias que eu não como.

- Eu também.

- E o que você vai fazer? Vai...

Antes de ele terminar a frase, Harry já estava esmurrando a porta.

- Idiota...

Harry bate na porta por vários minutos.

- Droga! Não está dando certo.

Harry olha para Frank e diz:

- Você não tinha dito que porta com fechadura era mais fácil de abrir?

- Eu não disse nada disso.

- É, está certo. Você não disse. Mas então, o que vamos fazer?

- A única forma de sair é com a chave, meu amigo. Caso você não tenha percebido, nós não a temos.

Harry anda de um lado para outro até que ele para em frente à porta e a analisa ao máximo.

- Que fechadura mais ridícula.

Ele olha para o lado e diz:

- Frank, olha só. A maçaneta é em forma de coração.

- É ridícula mesmo. Agora, que tal dormírmos? Estou cansado e dormindo não sinto fome.

- Acho que você tem razão – concorda Harry.

Frank dorme rapidamente em um canto da sala. Enquanto isso, Harry tira a faca do bolso e fica olhando para ela. Ele a gira em sua mão e se levanta.



*****

-Frank. Frank.

Então, aos poucos a visão de Frank vai voltando ao abrir os olhos. Ele vê Harry segurando uma faca na mão esquerda, a qual estava suja de sangue e na outra mão uma chave dourada. Frank se assusta, rapidamente, e diz:

- Como você conseguiu?

- Eu não dormi – respondeu Harry prontamente.

Frank olha para o corpo na mesa:

- Você não...

- Ele já estava morto, meu amigo – diz Harry zombando da forma de falar de Frank.

- Você é louco!

- É o que queriam que fizéssemos. E além do mais, ele era apenas um boneco.

- Como assim um boneco?! – espantou-se ainda mais Frank.

- Mas mesmo sendo um boneco, eu não tiro o colar. Quem sabe isso não era uma representação do real?

- Isso não importa. Agora, vamos abrir aquela porta e cair o fora daqui.

- Claro.

Os dois vão em direção à porta. Harry gira a chave e a abre. Ao abri-la, Harry se choca mais ainda. Ele vê um corredor escuro e vazio com várias celas iguais a sua.

- Não pode ser! – gritou Harry ao perceber que ainda não estava livre.

Ele olha para trás e diz:

- Frank, olha... Frank. Frank. Frank, cadê você?

Harry se asusta com o desaparecimento de seu companheiro de confinamento:

- Que estranho. Ele estava ao meu lado há um segundo. Como isso é possível? Eu não estou louco!!!

Agora, Harry se encontra mais do que perdido, se encontra sozinho no escuro.